2 de jan. de 2013

Quando o preconceito rege o pensamento

A parte todos os justificados protestos com relação ao artigo entitulado "O ano das criancinhas mortas", publicado na Veja de 31/12/2012, a autora Lya Luft parece nos fazer um favor. Ela destaca bem em seu texto, sem muitas firulas, o argumento nazista e excludente de que pessoas com deficiência não deveriam frequentar a escola regular para não incomodar as pessoas "normais". É raro alguém assumir essa postura sem eufemismos, o que Lya parece ter feito questão de evitar.

Na opinião da colunista, fica claro que crianças com autismo, por exemplo, não são desejadas na escola e que, mesmo sendo politicamente incorreto, elas não deveriam estar lá, pois "pertubam" a turma. Infelizmente, esse pensamento é reflexo do senso comum com que nos deparamos no dia-a-dia, muitas vezes com eufemismos e disfarçadas boas intenções, outras com deliberada cara-de-pau.

Não vou comentar a falta de coerência no texto de Lya, mas é bom notar que a lógica usada, não se restringe ao ambiente escolar. Ora, se a pessoa deve ser isolada na escola, ela deve também estar afastada dos outros espaços sociais, já que os motivos apresentados são mais que meramente pedagógicos: são pessoas que incomodam os ditos normais; são perigosas aos demais; e se aflingem pois são forçadas a ir além dos próprios limites.

Então, nessa linha de raciocínio, não se deveria mais impor a inclusão, igualdade de direitos e não discriminação como regra. Ninguém é obrigado a gostar de pessoas com deficiência, ninguém é obrigado a gostar de gays e ninguém é obrigado a gostar espinafre. Então ninguém deve ser obrigado a conviver com o que não gosta, não é?

A solução, talvez, seria fazer grandes campos de concentração, deixando todos os ditos normais (sem deficiência) livres da convivência com as pessoas com autismo ou com outras deficiências (anormais). Livres do fardo e do perigo! As pessoas com deficiência também estariam bem mais protegidas e aceitas lá, sem nenhum tipo de aflição, pois nada desafiaria seus limites, não é dona Lya? - Ela não gosta dos termos "normais" e "anormais", mas como escritora não se esforçou para usar outros. Propositadamente incompetente?

Bem, essa é lógica que pune a vítima. É a idéia posta que estamos aqui para enfrentar. A concepção de que os autistas e pessoas com outras deficiências não merecem viver em sociedade.

Infelizmente Lya, Betty e Faustão só fizeram manifestar a expressão de um modelo social construído e impregnado no senso comum. O reflexo do que a sociedade, de uma forma geral, pensa sobre sobre o que é deficiência e o que é ser pessoa com deficiência. A idéia geral de que pessoa com deficiência, incluindo pessoas com autismo, são menos gente, tem menos direitos e que a segregação é medida de proteção, melhor para todos (ditos e não ditos normais).

Infelizmente muitos pais e autistas partilham desse sentimento comum e demoram para se reafirmar como sujeitos de direitos humanos. De todos os direitos humanos. Direitos esses, reafirmados constitucionamente na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Ainda bem que cada vez mais se fortalece a noção de que são as barreiras sociais - inclusive as barreiras atitudinais como o preconceito, a discriminação, a falta de apoio - os elementos que impedem a maior participação na sociedade das pessoas com deficiência, incluindo as pessoas com autismo e as pessoas com deficiência psicossocial.

Nesse sentido, as manifestações da mídia têm uma característica muito peculiar, pois elas influenciam e ao mesmo tempo são o reflexo das atitudes da sociedade. São formadores de opinião pública e também uma espécie de termômetro do senso comum.

Essas última matéria da Veja, assim como a desastrosa participação de Betty Monteiro no Faustão, deve servir alerta para nós familiares e autistas, para sabermos bem de que lado devemos estar e que posição devemos tomar. Nossa missão deve ser conquistar espaços para participação e para contínua mudança das atitudes sociais, refletidas nesse tipo manifestação nazi-fascistas que justifica o preconceito e a apartação.

Lya Luft e Betty Monteiro, por exemplo, dão argumentos para quem queria o artigo 7º do PLS168/2011 como estava, permitindo a impune exclusão de pessoas com autismo da escola regular, como medida de proteção. Ainda bem que nossa presidenta foi sábia e vetou, a despeito do PLS ter passado por unanimidade no Congresso. O que foi demonstração de compromisso com os direitos humanos das pessoas com deficiência, que foram celebrados na nossa Convenção.

Então, que esse tipo de manifestação preconceituosa nos sirva de lição. E que fortaleça nossa união na luta contra a apartação social das pessoas com autismo e com outras deficiências.

Alexandre Mapurunga

Presidente da Abraça

Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas com Autismo

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